Ricardo Araújo Pereira no FOLIO - uma palestra improvisada
ou uma conversa inesgotável
Reflexão sobre o humor
Domingo, dia 13 de outubro, dia da última aparição de Nossa
Senhora de Fátima aos 3 Pastorinhos, também o fim-de-semana se despediu solenemente!
Cansada de estar em casa, decidi ir espairecer, mas o que
não sabia era que um passeio do qual nada esperava senão arejar as ideias
acabaria por me levar a conversar com um dos maiores humoristas e homens do
saber de Portugal, Ricardo Araújo Pereira, e a ver o nosso Presidente Marcelo!
Quando entrei dentro da "pequena" e encantadora vila de
Óbidos, na qual sabia estar a decorrer o festival literário e cultural FOLIO,
deparei-me com uma enorme fila de pessoas junto à Casa da Música.
Que ajuntamento seria aquele? (Não tinha conhecimento do
programa do festival…)
“É o Ricardo Araújo Pereira que vem dar uma conferência.”.
Nem queria acreditar! Uma tão ilustre personalidade aqui na
nossa santa terrinha!...
Que forças poderosas me teriam conduzido até àquele momento tão
enriquecedor quanto divertido e que nunca esquecerei?!
Nesse momento, uma turbe passou por mim, apressada, e então
percebi que caminho devia seguir (dada a enorme afluência de pessoas, foi necessário mudar o local da conferência para outro de maior dimensão). Sim, porque era uma oportunidade única e eu
não podia deixar de ir ver o melhor humorista de Portugal e arredores!
Chegada ao local privilegiado para a apresentação de
espetáculos ou qualquer outro tipo de demonstração oral nos diferentes
festivais que anualmente marcam presença em Óbidos, suspirei de alívio ao
constatar que os melhores lugares ainda estavam por ocupar, e a verdade é que
um deles foi para mim (a sorte continuava a bafejar-me).
Passados alguns minutos (já as bancadas estavam
completamente preenchidas e o calor humano se fazia sentir notoriamente), qual
não é o meu espanto quando vejo o atual Presidente da República a chegar com
parte da sua comitiva! Como é que um simples passeio se podia ter transformado
em algo desta dimensão?
Finalmente, tivemos o prazer de receber o protagonista dos
Gato Fedorento, que, como não podia deixar de ser, nos recebeu com… muito humor
e boa disposição!
Tudo começou com uma confissão: “Estava à espera de ver umas 60
pessoas… Não me preparei para estar diante de centenas de pessoas, muito menos do Presidente!”,
acrescentando que todos nós éramos ilustres, alguns mais do que outros, o que
mereceu uma salva de palmas e muitas gargalhadas.
Pegou nas suas 3 ou 4 folhas (as únicas que tinha preparado
para a apresentação, de contornos inesperados) e, honesto, revelou-nos serem as
únicas que preparara.
Contou-nos o mito de Perseu e da Medusa e, com a
inteligência que lhe é característica, conseguiu estabelecer um paralelo entre
o escudo-espelho utilizado para cortar a cabeça da temerosa figura mitológica e
o humor – por um lado, escudo por nos proteger, através do riso, do medo
imposto pela realidade negativa para a qual nós próprios contribuímos e da qual
fazemos parte, e, por outro, espelho por nos revelar os podres que nós,
indivíduos e/ou sociedade, detemos.
Nunca pensara no mito dessa maneira,… nem outros célebres
pensadores.
Para além de perspicaz e de exímio entendedor dos textos e
da realidade individual e social neles implicada, é uma fonte de sabedoria que
conhece rigorosamente os clássicos e os contemporâneos, nomeadamente as suas
interpretações de textos mitológicos da Grécia Antiga.
Assim, revelou-nos um facto que desconhecia (e a maioria das
pessoas, penso eu) e que me surpreendeu: a Medusa ser a representação do ser
humano após a morte.
Um cientista que, estando a estudar Medicina Forense,
se deparou com a seguinte descrição do que sucede a uma pessoa quando morre: o
seu corpo começa a libertar gases originados pela sua putrefação, e que fazem
com que os olhos, a boca e a cara comecem a inchar e os cabelos cresçam e se
emaranhem uns nos outros. Ora, a Medusa possui todas estas características!
Concluiu, pois, que o humor é um meio que temos para,
simultaneamente, a) atacarmos (denunciando) os nossos medos, de forma subtil mas mordaz (de um
ponto de vista social, criticarmos as situações pejorativas que constam do
historial de cada um e da sociedade em si, e que lhes geram medo de serem
oralizadas e avaliadas) e b) nos defendermos dos pensamentos assustadores que
muitas vezes nos vêm visitar, e que têm como líder o pensamento da finitude da
vida humana.
Foi esta a análise do humorista acerca do mito da Medusa e
de Perseu e que muito me surpreendeu!
“Bem, já disse tudo o que tinha para dizer…” – confessa,
risonho mas um pouco atrapalhado, o professor de Escrita de Comédia na NOVA FCSH.
“Querem que diga mais alguma coisa?” – Pois é claro!
E assim deu início a uma sessão exaustiva e fascinante de perguntas colocadas pela audiência.
E assim deu início a uma sessão exaustiva e fascinante de perguntas colocadas pela audiência.
Desde jornalistas a psicólogas, passando por meros curiosos, todos
tiveram oportunidade de colocarem uma pergunta ao sábio comediante, inclusive eu!
Foi uma sensação ótima levantar-me perante centenas de
pessoas, agarrar no microfone e levantar uma questão que ele tanto elogiou! Perguntei,
com efeito, se o caráter antagónico e paradoxal do humor se podia rever também
na capacidade deste de, por um lado, apontar sem pudor os “podres” da sociedade
e, por conseguinte, de a consciencializar e eventualmente fazer mudar de
comportamento e atitude, e, por outro, enfraquecer, ridicularizar e
relativizar o objeto criticado ao ponto de não só não ser pensado devidamente
pela população como de ser difundido e tornado célebre (tendo o efeito inverso do
pretendido).
A título de exemplo, Ricardo falou-nos dos artigos humoristas que foram criados em grande escala nos EUA aquando das eleições de 2016 e que popularizaram bastante Donald Trump, tendo a sua quota-parte na eleição deste para Presidente.
A título de exemplo, Ricardo falou-nos dos artigos humoristas que foram criados em grande escala nos EUA aquando das eleições de 2016 e que popularizaram bastante Donald Trump, tendo a sua quota-parte na eleição deste para Presidente.
Falou-se também do próprio, que revelou não ter "talento” enquanto algo que é exclusivo a determinado número restrito de pessoas,
porque, pelo contrário, este ganha-se com a prática e com trabalho. Se é aquilo que é hoje, isso deve-se muito ao facto de ter trabalhado e desenvolvido essa faceta humorística
desde pequeno, pois cedo soube bem aquilo que queria ser.
Agora uma revelação que ninguém está à espera…: o jovem
Ricardo apaixonou-se pelo humor porque era uma criança muito tímida e com
alguns medos, e essa foi a maneira que arranjou para os afastar e para se
relacionar melhor com o mundo!
Ligou-se tanto a essa faculdade, às vezes mal vista mas
verdadeiramente pertinente e sagaz, que hoje é um profissional tão conhecido e
acarinhado por todos os portugueses e companhia ilimitada (bem, quanto à parte de ser
acarinhado, duvido que o seja por quem é alvo da sua chicota, mas lá conhecido,
isso é)!
As perguntas pareciam não se esgotar, mas o tempo do
conferencista sim, por isso, ainda com muito para se dizer, deu-se por
terminada a tão enriquecedora sessão, mas não sem antes tirar uma foto, que
deixo já a seguir!
Aplaudo, uma vez mais, com toda a minha força, este
brilhante humorista, a sua fascinante conferência e, por último mas não menos
importante, a incrível organização do melhor festival literário de Portugal e
arredores!
Espero que tenham gostado da minha breve narração tanto
quanto eu gostei deste memorável serão!
Cabeça da Medusa (cara e olhos inchados, cabelos longos e emaranhados)
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