Famosa por um dia
- Eu desejo… eu desejo tornar-me famosa por um dia!
Há duas noites atrás, estava eu a devanear olhando pela janela do meu quarto, quando, espantosa e inacreditavelmente, vi uma estrela a cair do céu, num voo super veloz. Como reza a lenda, não podia deixar de pedir um desejo, e depressa, antes que aquela estrela supersónica desaparecesse de vez do meu campo de visão e aterrasse ...algures no chão.
Assim, caros leitores, cumprimentem a mais recente estrela de Hollywood!
Quando acordei ontem de manhã, não reconheci o lugar onde estava, e muito menos as dezenas de pessoas que me rodeavam e me serviam o mais atenciosamente que conseguiam, parecendo tentar disfarçar os seus nervos (o que eu não percebi de todo porquê, se eu era apenas uma miudita banal, igual a todas as outras):
- Miss Joana, que deseja para o pequeno-almoço? Croissant au chocolate avec sauce aux framboises?
- Miss Joana, que deseja vestir hoje para o casamento de Prince Harry e de Meghan Markle?
- Miss Joana, …
- Miss Joana, …
- Miss Joana, …
- Por favor, alguém me pode explicar quem são todas vocês, onde é que eu estou, como é que sabem como é que eu me chamo e por que é que me estão a tratar por Miss? – bradei, de nervos em franja, por me sentir completamente a leste daquela “conversa”.
- Ora, Miss Joana, somos as suas criadas, quem pensava que seríamos nós? – respondeu, cautelosamente, uma rapariga com não mais do que 20 anos, muito magrinha, relativamente baixa, com uns pequeninos olhos azuis e uns maravilhosos cabelos doirados recolhidos em duas tranças que lhe chegavam quase à cintura.
- E este é o seu quarto da sua penthouse em Los Angeles. – continuou outra rapariga, dos seus 24/25 anos, muito alta, entroncada, de linhas fortes e bem definidas, cabelos cor de carvão e olhos grandes, cor de amêndoa.
- Bem, a menina é uma atriz mundialmente conhecida, e é por termos por si um enorme respeito e admiração que a tratamos por Miss. – terminou outra senhora, cuja idade rondava os 30 anos, também ela vistosa e muito bem arranjada.
As três, e todas as outras mulheres que me enchiam o quarto como um enxame de enfermeiras a disputar a atenção do doente mais charmoso do hospital, vestiam fatos iguais: vestidos que lhes davam pelos joelhos, com um padrão de riscas cor-de-rosa muito suave alternado com um azul-recém-nascido de tão clarinho que era, que lhes dava um ar muito delicado, de bonecas de porcelana, poder-se-ia dizer. Achei este facto particularmente curioso, já que se tratavam dos uniformes que eu, em criança, idealizara, quando confrontada com a ideia de ser uma princesa e ter muitas criadas a servirem-me.
- Muito bem. Agora a pergunta para um milhão de euros: o que é que vos leva a pensar que uma miudita banal como eu, igual a todas as outras, é uma atriz mundialmente conhecida?
- A menina tem a certeza de que se está a sentir bem? Se calhar é melhor chamar um médico. Parece que está amnésica.
- Amnésica? Muito bem, minhas senhoras, digo-vos, com toda a racionalidade e lucidez que consigo reunir, que não estou a perceber nada do que se está aqui a passar!
… (refletindo sobre a noite passada e as palavras que acabara de ouvir)
- Esperem lá, eu sou uma atriz mundialmente conhecida, hem? Então devo ser uma pessoa mesmo famosa!
- Obviamente, menina, é uma pessoa famosíssima!
- Sim, sim. Hoje já recebeu mais de uma centena de cartas de fãs, e ainda não passam das oito e meia da manhã.
- Então, se o Prince Harry a convidou para o seu casamento, onde irão estudar presentes as maiores celebridades do mundo, acha que não é também uma? Ah, por falar nisso, tem de se apressar; o seu jato privado já está a postos e estão todos à sua espera!
- Estou a ver. Com que então sou famosa! (fiz um grande sorriso para dentro, pois não podia caber em mim de tanta felicidade e, no entanto, não o podia demonstrar, sou pena de ser desmascarada).
Tive direito a todas as regalias que se possam imaginar. Um pequeno-almoço na cama que foi um autêntico manjar, um guarda-vestidos com que só pensava ser possível sonhar, e uma trupe de criadas que me acudiam mal as acabasse de chamar.
De seguida, rumei a Inglaterra, no meu luxuosíssimo jato privado, para o casamento do ano. Conheci toda a família real inglesa, desde a Rainha Isabel II até aos mais pequenos infantes, Charlotte e George, duas crianças encantadoras, bem-educadas e muito animadas, simultaneamente. Durante o copo de água, provei, pela primeira vez, caviar e outras tantas especialidades da gastronomia Real. Dancei com o David Beckham, o que me levou a ser alvo de olhares pouco amistosos por parte da sua esposa.
Foi uma tarde inesquecível! Vivi o sonho da minha vida! Conheci a realeza e fui também tratada como uma rainha pelas minhas exímias criadas; senti o indescritível sabor da cozinha abastada; interagi com príncipes e personalidades ilustres; … Enfim, vivi tudo aquilo que uma rapariga sonha poder viver.
Porém, nem tudo foi um mar de rosas. Quando, por fim, aterrei no aeroporto e saí do meu jato privado, tinha à minha espera dezenas, melhor, centenas, melhor, milhares, de pessoas aos berros e a acotovelarem-se umas às outras para ver se me conseguiam alcançar. De súbito, fui invadida por um sentimento de pânico (tudo aquilo era novo para mim, mas uma novidade com a qual seria mais difícil aprender a lidar do que com as já experienciadas). Não sabia o que fazer: se devia descer as escadas, o mais confiante e calmamente possível, seguindo o meu caminho sem dar atenção àquela turba, ou se devia ir cumprimentar os meus fãs, como uma celebridade que se preze faria. Assim, optei pela primeira opção, por não saber o que lhes haveria de dizer ou como me haveria de comportar caso eles viessem falar comigo. Pensava eu que ia ser fácil. Mal dei o primeiro passo para fora do jato, um mar de braços se levantou, gritos ecoaram ensurdecedoramente, os inúmeros seguranças empenhavam todos os seus esforços para impedir que aquela multidão saltasse para cima de mim. Mas não podia evitar descer, e assim o fiz. A primeira pessoa que me veio abordar foi uma jornalista, que me anunciava estar em direto para a CNN, e me perguntava como tinha sido o casamento de Harry e de Meghan. Logo de seguida, sem sequer ter tempo para respirar, uma adolescente da minha idade agarrou-se aos meus braços, puxou-me para junto dela, sacou do telemóvel e desatou a fotografar-nos (tenho a certeza de que fiquei com uma cara no mínimo assustadora, tal era o nervosismo e o pânico que estava a sentir). Depois, foi a vez de um homem de meia-idade que levantou a camisola, deixando a sua enorme barriga à vista (espero um dia vir a conseguir esquecer aquele momento repugnante), me estendeu uma caneta e me pediu para o autografar, ali, no meio daquela selva de pêlos e gordura. Ah, mas a minha aventura não ficou por aqui. Quando eu pensava que já tinha visto de tudo, sou atingida por um objeto voador a toda a velocidade, que me acertou em cheio no olho, deixando-o com uma negra bem feia. Era um cartaz que tinha escrito, em letras garrafais, “ÉS O AMOR DA MINHA VIDA”.
Quando, finalmente, cheguei à minha mansão, exausta e bastante dorida, já não a olhei com o encanto e felicidade inicial. Já não me senti superior a tudo e a todos por poder ser servida. Já não desejei ser a pessoa que ontem à noite desejara ser. Só queria voltar para o meu quartinho, debruçar-me sobre a janela e contar as estrelas do céu, sem a preocupação e, sem dúvida, sem a ambição de encontrar aquela que me concederia os meus desejos infantis.
Talvez a felicidade consista nesses pequenos momentos, no observar do céu noturno, cintilante, misterioso e inspirador, no poder ter o meu cantinho, onde ninguém me conhece nem há o perigo de ser atacada por declarações de amor voadoras, e onde posso sonhar livremente. E talvez, ao contrário do que pensava, não se trata de grandes acontecimentos, exuberantes, invejáveis para quem os vê de fora.
Quando acordei, esta manhã, reconheci imediatamente o espaço em que me encontrava, e mal consigo descrever a alegria que nesse momento vim a sentir. Nunca pensei que estar de volta a casa fosse o melhor desejo que poderia pedir!
- Eu desejo… eu desejo tornar-me famosa por um dia!
Há duas noites atrás, estava eu a devanear olhando pela janela do meu quarto, quando, espantosa e inacreditavelmente, vi uma estrela a cair do céu, num voo super veloz. Como reza a lenda, não podia deixar de pedir um desejo, e depressa, antes que aquela estrela supersónica desaparecesse de vez do meu campo de visão e aterrasse ...algures no chão.
Assim, caros leitores, cumprimentem a mais recente estrela de Hollywood!
Quando acordei ontem de manhã, não reconheci o lugar onde estava, e muito menos as dezenas de pessoas que me rodeavam e me serviam o mais atenciosamente que conseguiam, parecendo tentar disfarçar os seus nervos (o que eu não percebi de todo porquê, se eu era apenas uma miudita banal, igual a todas as outras):
- Miss Joana, que deseja para o pequeno-almoço? Croissant au chocolate avec sauce aux framboises?
- Miss Joana, que deseja vestir hoje para o casamento de Prince Harry e de Meghan Markle?
- Miss Joana, …
- Miss Joana, …
- Miss Joana, …
- Por favor, alguém me pode explicar quem são todas vocês, onde é que eu estou, como é que sabem como é que eu me chamo e por que é que me estão a tratar por Miss? – bradei, de nervos em franja, por me sentir completamente a leste daquela “conversa”.
- Ora, Miss Joana, somos as suas criadas, quem pensava que seríamos nós? – respondeu, cautelosamente, uma rapariga com não mais do que 20 anos, muito magrinha, relativamente baixa, com uns pequeninos olhos azuis e uns maravilhosos cabelos doirados recolhidos em duas tranças que lhe chegavam quase à cintura.
- E este é o seu quarto da sua penthouse em Los Angeles. – continuou outra rapariga, dos seus 24/25 anos, muito alta, entroncada, de linhas fortes e bem definidas, cabelos cor de carvão e olhos grandes, cor de amêndoa.
- Bem, a menina é uma atriz mundialmente conhecida, e é por termos por si um enorme respeito e admiração que a tratamos por Miss. – terminou outra senhora, cuja idade rondava os 30 anos, também ela vistosa e muito bem arranjada.
As três, e todas as outras mulheres que me enchiam o quarto como um enxame de enfermeiras a disputar a atenção do doente mais charmoso do hospital, vestiam fatos iguais: vestidos que lhes davam pelos joelhos, com um padrão de riscas cor-de-rosa muito suave alternado com um azul-recém-nascido de tão clarinho que era, que lhes dava um ar muito delicado, de bonecas de porcelana, poder-se-ia dizer. Achei este facto particularmente curioso, já que se tratavam dos uniformes que eu, em criança, idealizara, quando confrontada com a ideia de ser uma princesa e ter muitas criadas a servirem-me.
- Muito bem. Agora a pergunta para um milhão de euros: o que é que vos leva a pensar que uma miudita banal como eu, igual a todas as outras, é uma atriz mundialmente conhecida?
- A menina tem a certeza de que se está a sentir bem? Se calhar é melhor chamar um médico. Parece que está amnésica.
- Amnésica? Muito bem, minhas senhoras, digo-vos, com toda a racionalidade e lucidez que consigo reunir, que não estou a perceber nada do que se está aqui a passar!
… (refletindo sobre a noite passada e as palavras que acabara de ouvir)
- Esperem lá, eu sou uma atriz mundialmente conhecida, hem? Então devo ser uma pessoa mesmo famosa!
- Obviamente, menina, é uma pessoa famosíssima!
- Sim, sim. Hoje já recebeu mais de uma centena de cartas de fãs, e ainda não passam das oito e meia da manhã.
- Então, se o Prince Harry a convidou para o seu casamento, onde irão estudar presentes as maiores celebridades do mundo, acha que não é também uma? Ah, por falar nisso, tem de se apressar; o seu jato privado já está a postos e estão todos à sua espera!
- Estou a ver. Com que então sou famosa! (fiz um grande sorriso para dentro, pois não podia caber em mim de tanta felicidade e, no entanto, não o podia demonstrar, sou pena de ser desmascarada).
Tive direito a todas as regalias que se possam imaginar. Um pequeno-almoço na cama que foi um autêntico manjar, um guarda-vestidos com que só pensava ser possível sonhar, e uma trupe de criadas que me acudiam mal as acabasse de chamar.
De seguida, rumei a Inglaterra, no meu luxuosíssimo jato privado, para o casamento do ano. Conheci toda a família real inglesa, desde a Rainha Isabel II até aos mais pequenos infantes, Charlotte e George, duas crianças encantadoras, bem-educadas e muito animadas, simultaneamente. Durante o copo de água, provei, pela primeira vez, caviar e outras tantas especialidades da gastronomia Real. Dancei com o David Beckham, o que me levou a ser alvo de olhares pouco amistosos por parte da sua esposa.
Foi uma tarde inesquecível! Vivi o sonho da minha vida! Conheci a realeza e fui também tratada como uma rainha pelas minhas exímias criadas; senti o indescritível sabor da cozinha abastada; interagi com príncipes e personalidades ilustres; … Enfim, vivi tudo aquilo que uma rapariga sonha poder viver.
Porém, nem tudo foi um mar de rosas. Quando, por fim, aterrei no aeroporto e saí do meu jato privado, tinha à minha espera dezenas, melhor, centenas, melhor, milhares, de pessoas aos berros e a acotovelarem-se umas às outras para ver se me conseguiam alcançar. De súbito, fui invadida por um sentimento de pânico (tudo aquilo era novo para mim, mas uma novidade com a qual seria mais difícil aprender a lidar do que com as já experienciadas). Não sabia o que fazer: se devia descer as escadas, o mais confiante e calmamente possível, seguindo o meu caminho sem dar atenção àquela turba, ou se devia ir cumprimentar os meus fãs, como uma celebridade que se preze faria. Assim, optei pela primeira opção, por não saber o que lhes haveria de dizer ou como me haveria de comportar caso eles viessem falar comigo. Pensava eu que ia ser fácil. Mal dei o primeiro passo para fora do jato, um mar de braços se levantou, gritos ecoaram ensurdecedoramente, os inúmeros seguranças empenhavam todos os seus esforços para impedir que aquela multidão saltasse para cima de mim. Mas não podia evitar descer, e assim o fiz. A primeira pessoa que me veio abordar foi uma jornalista, que me anunciava estar em direto para a CNN, e me perguntava como tinha sido o casamento de Harry e de Meghan. Logo de seguida, sem sequer ter tempo para respirar, uma adolescente da minha idade agarrou-se aos meus braços, puxou-me para junto dela, sacou do telemóvel e desatou a fotografar-nos (tenho a certeza de que fiquei com uma cara no mínimo assustadora, tal era o nervosismo e o pânico que estava a sentir). Depois, foi a vez de um homem de meia-idade que levantou a camisola, deixando a sua enorme barriga à vista (espero um dia vir a conseguir esquecer aquele momento repugnante), me estendeu uma caneta e me pediu para o autografar, ali, no meio daquela selva de pêlos e gordura. Ah, mas a minha aventura não ficou por aqui. Quando eu pensava que já tinha visto de tudo, sou atingida por um objeto voador a toda a velocidade, que me acertou em cheio no olho, deixando-o com uma negra bem feia. Era um cartaz que tinha escrito, em letras garrafais, “ÉS O AMOR DA MINHA VIDA”.
Quando, finalmente, cheguei à minha mansão, exausta e bastante dorida, já não a olhei com o encanto e felicidade inicial. Já não me senti superior a tudo e a todos por poder ser servida. Já não desejei ser a pessoa que ontem à noite desejara ser. Só queria voltar para o meu quartinho, debruçar-me sobre a janela e contar as estrelas do céu, sem a preocupação e, sem dúvida, sem a ambição de encontrar aquela que me concederia os meus desejos infantis.
Talvez a felicidade consista nesses pequenos momentos, no observar do céu noturno, cintilante, misterioso e inspirador, no poder ter o meu cantinho, onde ninguém me conhece nem há o perigo de ser atacada por declarações de amor voadoras, e onde posso sonhar livremente. E talvez, ao contrário do que pensava, não se trata de grandes acontecimentos, exuberantes, invejáveis para quem os vê de fora.
Quando acordei, esta manhã, reconheci imediatamente o espaço em que me encontrava, e mal consigo descrever a alegria que nesse momento vim a sentir. Nunca pensei que estar de volta a casa fosse o melhor desejo que poderia pedir!
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